quinta-feira, 2 de julho de 2009

Literatura: O Fado da Sombra; Filipe Faria

Ao fim de mais dois anos à espera de um novo volume das Crónicas de Allaryia, eis que no dia 5 de Maio deste ano Filipe Faria nos presenteou com mais uma das suas épicas aventuras. E que presente este. Este é o sexto e penúltimo volume da saga, e não veio seguramente desiludir em nada os fãs que acompanham de perto as aventuras de Aewyre e amigos. Para começar, podemos denotar uma melhoria no estilo de escrita do autor, que apesar de manter o rico vocabulário que se tornou característico das suas obras, conseguiu agora melhorar seu discurso, consolidando a sua forma de escrever, através de uma certa simplificação das expressões. Algo que em certa parte dificultava a leitura dos anteriores volumes, eram as suas construções frásicas complicadas, aliadas ao vocabulário só de si difícil, que fazia com que os leitores abrandassem o seu ritmo de leitura, tendo mesmo por vezes de repetir a leitura do mesmo parágrafo, afim de compreenderem o seu significado. Contudo, como já foi referido, neste livro assistimos a uma melhoria nesse campo, tornando o texto mais fluente e acessível, facilitando assim a leitura. No que diz respeito ao conteúdo da história em si, a meu ver, houve também neste livro uma grande melhoria em relação ao seu antecessor - Vagas de Fogo. É certo que o livro anterior pode ser considerado como uma espécie de livro de transição, pois surgiram novas realidades que não apareciam nos anteriores, e que agora parecem ter vindo para ficar, e isso tornava-o um livro mais massudo e difícil de ler, o que não acontece com este. Tendo sido já apresentados os novos problemas com os quais os heróis têm de lidar, este livro cinge-se no desenvolvimento desses mesmos pontos que tinham sido deixados em aberto no anterior. Assim, neste volume assistimos a um grande avanço tanto da história em si, que se desenvolve de um ponto de estagnação para um quase possível desfecho, com uma série de acontecimentos marcantes pelo meio, que prometem deixar marcas permanentes no mundo de Allaryia. Quanto às personagens, encontramos neste livro um desenvolvimento da maior parte destas, quer seja pela positiva ou pela negativa. Podemos mesmo afirmar que a grande maioria das personagens sofreu neste livro uma modificação interna, que altera tudo sobre ela que havia sido apresentado nos livros anteriores, ao ponto de algumas personagens que no livro anterior tinham sido praticamente ignoradas, passam agora para um lugar quase de protagonismo. Em primeiro lugar, temos o protagonista, o guerreiro que estava habituado a uma vida despreocupada, e que ao longo dos livros tem vindo a crescer, sendo que neste momento se vê a braços com um reino que promete desabar-lhe em cima, ao mesmo tempo que tenta lidar com a constante ameaça do seu arqui-inimigo, fazendo os possíveis para encontrar um plano para o derrotar; com as conjunturas políticas dos países vizinhos que sobrevoam o seu reino como uma abutre à espera de um festim, e ainda com os seus próprios problemas pessoais (desde amorosos, familiares e de outras naturezas), que acabam sempre por atrapalhar da forma mais inesperada parte dos seus planos. Depois temos a princesa, sempre de semblante rígido e habituada à vida de guerreira, que após ter sido dobrada pelos seus inimigos e aparentes aliados, nos mostra agora uma faceta mais feminina, virada em certa parte para o romantismo, e com problemas que não ligados com assuntos de guerra, mas mais de teor privado (neste caso a sua fertilidade) sem contudo deixar de mostrar a sua garra de guerreira. Depois temos Quenestil, o Eahan, que vivia despreocupadamente em concordância com a natureza, até se aliar a grupo para supostamente ajudar um amigo, e que agora se vê no meio de um sociedade desconhecida que o caracteriza como sendo o Escolhido para despertar as vagas de fogo (o que lhe dá um certo ar de profeta mas com um carácter mais beligerante). Acerca de Quenestil, no livro anterior, a história deste e da comitiva que o acompanhava tinha acabado por se tornar algo monótona e massuda, problema esse que acabo por ser ultrapassado neste livro, com o desenrolar da história a sofrer nuances inesperadas, e um tipo de acção mais interessante e empolgante que as batalhas anteriores (a luta com Tannath foi uma grande surpresa, que tanto nos leva aos livros anteriores, ao mesmo tempo que nos mostra algo de novo). Slayra, a perigosa e sensual Eahanna Negra, que nos livros anteriores tinha sido uma das minhas personagens preferidas, neste livro foi provavelmente das únicas que conseguiu surpreender pela negativa, ao mostrar uma faceta sua até agora desconhecida, que a apresenta como uma personagem centrada em si mesma, egoísta e capaz de ignorar os seus próprios filhos para se salvar. Esperemos que no próximo volume, a sua personagem volte a dar uma reviravolta ao que era anteriormente. Quanto a Alumno, foi uma das personagens que acabou por ganhar relevo neste livro, após ter sido quase deixado no esquecimento no livro anterior. Neste novo livro, é utilizado tanto como forma de explicar alguns contextos políticos dos países vizinhos, para de seguida ser este a apresentar uma solução, talvez a única, para que Aewyre se consiga livrar de Seltor, contudo essa mesma ideia acaba por trazer um final negro e inesperado a Alumno. Os dois restantes companheiros, Worick e Taislin, continuam similares aos restantes livros, sendo que continuam a conseguir fazer rir os leitores (especialmente Worick), mas também estes mostram neste livro algum amadurecimento, especialmente Taislin, que apresenta um porte mais duro e pronto para lutar. Contudo, a personagem que mais surpreende é provavelmente Aereth, que desde o inicio do livro mostra estar a viver um profundo conflito interno, o que acaba por culminar com este a entregar-se à culpa que o devorava por dentro, assumindo um novo e completamente inesperado papel na história. É de referir que segmento do livro que descreve os últimos momentos de Aereth enquanto regente oficial e a sua transição, foram dos momentos mais emocionantes e chocantes que li em toda a saga até agora. Contudo no geral, personagens como Seltor, Kror (que neste livro passou para um segundo plano, e é ignorado grande parte do livro, à excepção de dois momentos chave, um a meio e outro no final do livro), Dilet, entre outros acabam por receber modificações ou por desempenharem momentos chave na história que no seu conjunto permite construir uma narrativa empolgante, que se lê com bastante entusiasmo. Desde o inicio desta saga, que alguns leitores acabaram por afirmar que a história era em certa parte plágio das histórias escritas por J.R.R. Tolkien em O Snehor dos Anéis. É óbvio para quem lê a saga que existe uma forte influência dos respectivos livros, e uma proximidade em alguns aspectos, com, por exemplo, a constituição do grupo de Aewyre podendo ser comparada à constituição da Irmandade do Anel, entre outros aspectos. Contudo, a certa altura da história, o autor conseguiu distanciar-se das suas influências e cingir-se à sua própria história, tecendo uma série de particularidades que distanciam do autor Inglês, o que faz com que a história de Filipe Faria ganhe mérito próprio, devido à unicidade do relato. Este livro em particular, merece ser aplaudido, pois para além de conseguir superar alguns dos livros anteriores da própria saga (apesar de por palavras do próprio autor, podermos dizer que este livro em parte que volta às origens, ou seja à Manopla de Karasthan), o que mostra desenvolvimento da parte do autor, este livro vem provar que há em Portugal e nos escritores Portugueses capacidades suficientes para escrever boa literatura, para podermos romper com a tradição recente que se tem instaurado em Portugal de lançar livros que reatem a vida de jogadores de Futebol, ou de uma ou outra pessoa famosa. É ainda importante de referir que o final do livro é sem duvida empolgante e que nos deixa desejosos de que pudéssemos ter já nas mãos o sétimo volume e último volume da saga para concluir o que ficou pendente neste volume. Esperemos que Filipe Faria consiga arranjar inspiração para acelerar o processo criativo e assim terminar o livro mais rapidamente, pois esperar dois anos pelo último volume, deixará muitos fãs desesperados. Fica ainda a esperança que após terminar esta saga, o escritor continue a maravilhar-nos com os seus dotes de escrita, e quem sabe, talvez até mesmo arriscar-se por outros géneros literários. Só nos resta esperar para saber o que o futuro nos deseja, contudo, fica aqui a sugestão.

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